sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Até na minha memória tem poesia

A. Elisa

Existem certas coisas que nos lembram pessoas que passaram pelas nossas vidas, talvez não da maneira ou com a intensidade que esperávamos. Essas coisas, por mais simples, exóticas ou cômicas que pareçam ser, ficam alojadas, no que descobri, recentemente, ser chamada a nossa memória poética. Lá guardamos pequenas recordações de coisas que nunca imaginaríamos guardar, de pessoas que foram ou não importantes na nossa vida. Eu digo isso, porque hoje me peguei lembrando de um antigo colega de turma que costumava ler poesias nos intervalos da aula. Apesar de eu nunca ter trocado nenhuma palavra com ele, hoje, lendo um livro de Quintana, que Aninha me deu de presente, pensei nele e em como aquelas poesias ficariam bem mais bonitas se saídas de sua boca. Esse é somente um exemplo dessas coisas bizarras que a nossa mente apronta com a gente. A memória poética é um espaço dentro de nós onde guardamos coisas importantes ou não, como que um grande amigo meu detesta o cheiro do café ou que, uma vez, enquanto eu morava na Alemanha, vi uma mulher atravessar a rua e ela era tão linda, tão linda, que eu desejei, secretamente, que se um dia eu conseguisse ter a cor do cabelo que ela tinha, seria a menina mais feliz do mundo. É como se essas recordações fossem escritas num papel com uma caneta que nunca pudesse ser apagada, porque elas duram eternamente na nossa memória. No livro de onde tirei essa idéia o autor diz que para o amor, na memória poética, só se consegue alojar um pensamento. Que só conseguimos amar uma pessoa, mesmo que não fiquemos ou que nunca fiquemos com ela. Os outros sentimentos é que nos enganam o resto da vida fazendo a gente pensar que amamos mais de uma pessoa. Atualmente, minha memória poética tem sido ativada várias vezes. Como quando vejo Simpsons e automaticamente me lembro do meu irmão, ou que eu tenho abuso do Guaiamum Gigante e, principalmente de camarão a alho e óleo de lá, por conta do meu ex-namorado. Também me lembrei no São João, enquanto comia milho assado, da minha avó, que adorava ir pra minha antiga casa, assar milho no fogão de lenha que a gente tinha nos fundos, e eu ficava do lado dela, com a minha mini-cozinha, fazendo meus bolos e quitutes de terra, barro e plantas. Blusa e Top só me lembram de Aninha, vestido da Cantão só me lembra Isa. O sushi chinês e o pé de macarrão também me fazem lembrar dessa morena. E toda vez que eu ouço Ana Carolina, lembro do show que eu e Aninha fomos juntas. Quando como Acarajé lembro da minha viagem pra Porto Seguro e quando tomo cerveja quente lembro dos meus encontros com Leo e Gabriel, na Alemanha, pra jogar conversa fora, beber cerveja quente e estudar de vez em quando. Da Alemanha também me lembro do dia que eu comi 5 pacotes daqueles docinhos de gelatina, do dia que eu ouvi Jeito Moleque, pela primeira vez, e senti falta do Brasil. Essa memória poética que temos grava até aquilo que queremos esquecer, quando no dia que eu me ofereci pra ser o par, da Quadrilha de São João, do menino que eu gostava, aos 10 anos, e descobri que ele já tinha um. Ou quando eu descobri que tinha menstruado, pela primeira vez, no meio de uma festa de família, e minha mãe fez questão de contar pra todo mundo o que tinha acontecido.
Essa nossa memória poética se organiza através de palavras, são elas que acionam a lembrança, o gosto, o cheiro ou o som que nos remete àquele tempo. É um movimento que vai além da nossa capacidade de ordenar o corpo, é uma parte da gente que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza na nossa vida. É o cheiro da chuva, o intervalo do olhar, o sorriso de canto de boca ou o gosto picante de uma pimenta. Uma emoção que às vezes não pode ser verbalizada e que arrepia o corpo quando retorna á mente. São retalhos do nosso passado que quase viram realidade por um instante, nos enchendo de alegria por simplesmente ter vivido aquilo e ter sobrevivido pra contar que, apesar de doloridos, desconcertantes ou sem sentido, vale muito a pena viver, somente pra ter do que lembrar no futuro.

Um comentário:

  1. Ameeei! Muitas gargalhadas me acompanharam na leitura!
    Tá lindo, meu bem!

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