sábado, 19 de setembro de 2009

É dor.

A. Maria

Anteontem descobri que preciso sentir. Que precisa doer, e que quando não ta doendo procuro meios de sentir a dor.
Outra tatuagem, outro piercing talvez.
Na verdade eu só descobri que sou ainda aquela criança que ia dormir no meio da melhor brincadeira porque tinha sono, que comia no meio da aula porque tinha fome, ou desejo, que beijava no meio da conversa porque tinha vontade, que gritava no meio do silêncio porque queria quebra-lo, que amava no meio da fúria porque queria viver.
Sou sim a mesma criança. A única diferença é que costumo me vestir de mulher com tanta freqüência que as vezes até esqueço de trocar de roupa. E quando isso acontece me sinto perdida com o caminho na minha frente, me sinto sozinha no meio dos melhores amigos que pude desejar, me sinto com fome tendo devorado três pratos cheios, me sinto com cólicas não estando menstruada, me sinto triste no meio da alegria e me sinto odiada no meio do amor. Mas isso só acontece quando me esqueço de tirar essa roupa que me vês sempre vestida e me mostro como realmente sou.
E é nesse momento que passas a me conhecer, é nesse exato momento que costumo afastar as pessoas. É nessa hora que mostro a você que não podes me dizer coisas que não sentes, e mostro que sou a mesma criança que acreditava na mamãe quando ela dizia que nunca ia se afastar. E é aí que te assusto, pois percebes que sempre acredito em tudo que dizes, mesmo quando em seguida me dizes que era tudo brincadeira, que era tudo mentira. Mas é que para as crianças, não podes prometer o que não será possível cumprir, não se pode declarar o que realmente não sentir, não se pode dizer amar, sem as fazer sentir.
Sim, é essa a dor que preciso sempre sentir. É que dói quando preciso me despir, dói, porque passo tanto tempo com a roupa de mulher que quando resolvo tirar, ela já está tão grudada em minha pele que as vezes demoro dias, semanas, e as vezes meses para conseguir remove-la, e muitas vezes somente por alguns minutos. Sim, dói pra me despir, dói me mostrar inteira, dói porque minha memória (poética, talvez) insiste em rememorar todos que perdi quando me mostrei despida de Ana Maria e virei somente Aninha. Dói porque lembrando dos que perdi, passo a ter certeza que também te perderei e ficarei aqui, mais uma vez sozinha, e mais uma vez vestindo a roupa de mulher que ganhei de presente da vida, e por fim, mais uma vez faço adormecer essa criança que encosta a bochecha no teu braço e aperta só pra dizer que quer que você fique.
Faço ela adormecer.
Até me despir novamente, e amar.

Tem que doer, e queimar. Quando não me queimo não sou feliz. Vinícius dizia que quando se queima não se é feliz. Nisso eu discordo, acho que ele falou isso quando não sentia mais o fogo, e não soube perceber isso.
Acho que para amar, precisa doer, mas não aquela dor que nos faz querer perder, mas aquela dor que nos faz querer, sentir, tocar, beijar, viver. Ouvi dizer que se não existisse a dor, não existiria o prazer. Talvez essa seja a chave.
Amar é sentir a dor, mas é que em seguida o prazer vem na mesma proporção e assim, toda a dor é esquecida. E depois desejada, já que é tão intenso o prazer.
Também anteontem descobri que não sei ficar sem querer. Não sei. Desistam, não sei. E quer saber mais? Também não quero! É, não quero.
Só sei ser assim, só sei viver querendo, e se não for assim, não estou completa. Quando não quero, não sou. Se não quero, não estou. Apenas pareço estar, mas o fato é que não estou.
E não me peçam pra mudar isso, é isso que me faz respirar, é isso que me faz usar aquele perfume que ganhei do meu irmão, é isso que me faz usar um vestido novo, é isso que me faz amassar meus cachos, é isso que me faz usar pó, blush e rímel, e sorri no espelho pra ver se alguém poderia me achar bonita. É isso que eu quero.
Querer o amor, querer amar, querer sentir. Dor e prazer. É isso que me faz querer.
Me querer. Te querer.
É isso.

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