A. Elisa
“Eu nunca a tinha visto andando pela universidade. Ela andava sozinha, mas parecia que já conhecia bem aquele lugar. Parecia deslocada e ao mesmo tempo bem ciente de tudo. Ela tinha um cabelo meio preso num rabo de cavalo, porque ainda era tão curto que o prendedor não o segurava todo. Ela estava de tênis e tinha uma bolsa tão grande que eu fiquei imaginando as coisas que ela carregava ali dentro. A primeira vez que eu a vi, ela estava sentada no banco em frente a biblioteca e, de repente, vejo que ela entra na minha turma e escolhe uma das primeiras cadeiras encostadas na parede para sentar. Abre a bolsa, e nesse momento presto bem atenção nela, até porque percebo que ela mal olhou para as pessoas que estão dentro da sala, parece não se importar em conhecer os outros. De dentro daquela enorme bolsa, ela tira um livro, e de relance consigo ler o título. Ela gosta de literatura brasileira. Enquanto o professor não chega, observo ela lendo atentamente o livro sem se importar com o barulho do som emitido pelo celular de Joaquim ou da conversa sobre o jogo do Naútico entre Moacyr e o Bento. Ela entrou numa sala onde o homem é maioria, e não pareceu se importar com isso. Procuro alguma brecha, algum momento em que ela respire para poder puxar uma conversa, mas ela parece tão compenetrada naquelas palavras que até sinto um pouco de inveja, por não ser tão interessante assim. De repente ela para, desfaz o rabo no cabelo e o faz novamente, e nesse baixar e levantar dos cabelos vejo que ela tem uma tatuagem de borboleta na nuca. Aproveito a oportunidade e me aproximo, questiono se ela é de outro período e faço alguma pergunta besta sobre o livro que está em suas mãos. Inesperadamente, vejo que ela conversa, e como, me fala sobre a peregrinação dela ao longo dos anos para concluir o curso e que por conta disso não tem uma turma específica, sobre o autor que lê e começamos a discutir sobre a história do livro. Em poucos minutos, já discordamos e concordamos em vários aspectos. Às vezes me pego olhando pra ela sem nem prestar atenção no que me diz. Ela articula tão bem as palavras e sabe convencer a gente, que muitas vezes termino concordando com a idéia dela sem nem mesmo saber qual foi. Acho que fui a única pessoa que tive contato com ela da turma, porque sempre que nos encontramos na sala ela só me cumprimentava e conversava sobre o novo livro que está lendo. Ela tem um plano de ler dois livros por mês. O que me espanta, é que além disso, ela lê todos os textos para a aula, debate temas com o professor e tira boas notas nas avaliações. Ela também me disse que faz outra faculdade e que esse semestre se forma, e que por isso tem corrido muito com o trabalho de conclusão de curso. Ela está filmando um documentário junto com três amigas. Enquanto ela se empolga contando os apuros das gravações, pego um livro na biblioteca e indico a ela. Ela olha e diz que já o tinha lido e pergunta o porquê dessa indicação. Me engasgo, não esperava por essa pergunta. A verdade é que o livro fala sobre estudos de psicanálise em relação ao amor, e tinha achado interessante porque no blog que ela escreve, só se fala de amor. Mas não podia admitir que acompanhava o blog dela semanalmente, que esperava ansiosamente por um novo texto, na ânsia de através da leitura, entender um pouco mais do seu mundo. Então simplesmente digo que Lou Salomé foi uma mulher à frente do seu tempo, igualzinho a ela. É engraçado, é muito difícil elogiá-la. Ela sempre tem uma desculpa ou um porém para os elogios que faço e quando aceita dá um risinho de canto de boca e diz bem baixinho, que eu quase não ouço seu “obrigado”. Eu queria ter tido mais tempo com ela, as noites de estudo na biblioteca e as conversas sobre os inúmeros livros que ela leu ao longo do período me fizeram perceber que ela é única, porque ela está ali e não se importa com ninguém, se não fosse por mim a gente não teria ficado amigo. Parece que a solidão é amiga dela. Hoje ela está em outra turma, como previamente já havia me avisado, e nos encontramos sempre às pressas, já que estou redigindo a minha monografia e ela ainda terminando as cadeiras de educação. Mas eu nunca vou esquecê-la. Aquela imagem dela sentada em frente ao banco da biblioteca com aquele tênis colorido e a bolsa gigante ficará marcada para sempre na minha memória. Durante todo o tempo em que tivemos contato eu sempre demonstrei meu interesse por ela, mas ela nunca retribuiu. Na verdade, eu acho que ela nunca percebeu. Perdida dentro dos livros, ela não viu que eu estava ali, o tempo todo, só esperando ela me olhar.”
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Por alguns instantes de loucura, pensei no fim desse canto onde dividimos nossa loucura.
ResponderExcluirAlegria senti ao ler teu novo escrito.
E mesmo sabendo quem era a menina, quando construi vizualmente a borboleta que tens escrita em teu corpo tive a certeza que era você ali e de que você ainda está aqui.
É, está aqui!
mto bom.
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